Precisamos viver o Luto para não vivermos em Luto!


Durante o luto, tudo dói.

Há dias em que é quase insuportável permanecermos em nós mesmos.
O enlutado vive uma realidade paralela, enquanto o mundo ao seu redor segue.

Imerso no luto, parece injusto que a vida siga o seu rumo lá fora como se um coração não tivesse parado de bater.

Os carros continuam a passar, pessoas tomam o seu café na pastelaria, há um lançamento de um novo filme, alguém procurando uns sapatos novos.

Tudo tão incoerente diante da dor lancinante do enlutado.

Manifestações de luto constrangem e questionam uma cultura que supervaloriza o que é relativo à felicidade. Nessa situação, um dos aspectos mais importantes é permitir que a pessoa expresse a sua dor e dessa forma tenha os seus sentimentos validados. Contudo, a dor do outro tende a incomodar-nos e na tentativa de acalmá-lo, utilizamos frases como “precisas ser forte” ou “ele/a está num lugar melhor agora”, ou ainda “ele/a está a olhar por ti”.

Se não pudermos chorar, e até gritar, a nossa dor pela morte de alguém querido perante o seu corpo sem vida, em que outra circunstância será permitido dar voz e espaço para as nossas dores?

Os rituais de morte são essenciais no processo de luto. São momentos de profunda dor, onde a realidade confronta o desejo de que quem amamos seja imortal. São saudáveis as expressões intensas de sofrimento durante os rituais fúnebres e é fundamental viabilizar que tais emoções sejam vivenciadas, uma vez que este é o contexto mais adequado para vivê-las, evitando que crises abruptas e severas aconteçam mais tarde em situações quotidianas diversas, o que não poucas vezes leva à depressão.

O uso de medicamentos tranquilizantes não é adequado, a menos que seja num caso extremo. O efeito de torpor impede que os rituais de despedida sejam vivenciados integralmente. Naturalmente, a pessoa já está muito confusa e o medicamento a deixará ainda mais desconectada das suas emoções.

O luto é um período de mudanças e descobertas de potenciais que nem imaginávamos ter. Descobrimos como viver sem aquela pessoa e a conviver com a saudade. É imprescindível o auxílio da família e amigos, mas, como todo processo íntimo, é individual e solitário. Uma parte de nós também “morre”, mas há outra parte que nasce para que consigamos reorganizar-nos e dar continuidade à nossa vida.

Após uma perda significativa é preciso ressignificar a vida para não permanecermos velando aquilo que nós perdemos com a morte do outro, mergulhando no chamado luto complicado. O luto precisa ser vivido para não vivermos em luto. Como uma ferida aberta que exige cuidados, sem recolhimento e o devido zelo, ela não cicatriza, pode infeccionar e causar outros quadros mais delicados.

O luto também é tempo de relembrar alegrias e recordar bons momentos. A elaboração do luto vai transmutando a dor da saudade. Ser feliz não implica que não haja nenhuma dor. Com o tempo, o que era dilacerante, dá espaço ao sentimento de falta acompanhado de lembranças carinhosas de quem se foi.